O ar cordato que Cristina Ferreira e Daniel Oliveira mantinham em público nem sempre permanecia quando se fechavam as portas. A apresentadora mudou-se para a SIC para concretizar o sonho de ter uma “casa” só dela, mas também para poder opinar ao nível de coordenação de conteúdos fora da apresentação, nomeadamente a ficção, o que o diretor de Programas nunca deixou fazer
A “casa” era dela, mas não podia ir à dos outros
Quando foi convidada para se mudar para a SIC, mais do que um milhão por ano ganho em salários, se cumprisse a totalidade dos objetivos – conseguiu o feito em poucos meses –, Cristina tinha em mente dois planos: a construção do seu mega-estúdio, transformado em casa, um programa que há muito queria fazer junto com João Patrício, o realizador que agora levou de volta para Queluz, e ter mais poder, aquele que lhe foi negado na TVI e que a fez voltar as costas à estação, abrindo uma fenda brutal nas audiências do canal. Em Queluz, tinha subido a diretora de Conteúdos Não Informativos aquando da segunda investida da concorrência, que soube usar em benefício próprio, mas a verdade é que nunca mandou em nada. Era, como chegou a mencionar nos corredores do canal, “uma trabalhadora incansável com muito pouco poder de decisão”.
Na altura, fazia manhãs e tardes, com o concurso “Apanha se Puderes”, o que a estava a deixar exausta. No entanto, mais do que o cansaço e não ter tempo para os outros negócios que gere, era o facto de Bruno Santos, na altura diretor de Programas, e Rosa Cullell, administradora, não a incluírem nos planos para a grelha. A apresentadora não queria ter um cargo que não exercia e deixou-os à terceira chamada de Paço de Arcos.
Na SIC, foi recebida com pompa e circunstância e teve poder, o que sempre quis, para fazer o seu programa exatamente como idealizara. Daniel Oliveira interveio, mas delegou nas suas mãos, o que continuou a acontecer nos 19 meses em que esteve no ar. Na sua “casa” mandava ela. O diretor, conhecido por ser controlador e guardar tudo para si, de acordo com o que a TvMais soube, não adorava esta situação, no entanto, era permissivo, afinal, ela era líder de audiências desde o primeiro dia. Quando “O Programa da Cristina” comemorou um ano, surgiu no final para a felicitar e estar junto dela, no entanto, não tinha havido um convite de Cristina para que o fizesse.
Os dois mantinham a devida distância e até “alguma medição de forças”, garante fonte do canal. “Francisco Pedro Balsemão é que aparecia mais vezes para conversarem e ver se estava tudo a correr bem, numa manobra até de charme. A Cristina estava estranhamente mais próxima do CEO do que do diretor de Programas e isso pôde ler-se agora no comunicado dela”, acrescenta a mesma fonte.
Queria opinar na ficção
A guerra fria com Daniel advinha do facto de a mulher mais influente do País querer ajudar noutras áreas de programação, sobretudo na ficção, em que fez mais do que um esforço para entrar. Sem sucesso. Daniel Oliveira não a incluía nestas tomadas de decisão, como também não a consultava em termos de reality shows ou outros programas. Mais uma vez, o cargo de consultora executiva da Direção-Geral de Entretenimento do grupo Impresa não servia para grande coisa. Cristina chegou a dizer, em círculo fechado, que “Daniel é controlador, não quer ouvir ninguém, mesmo quando devia. Alguém que trabalha de forma solitária”. A verdade, é que Oliveira não mudou uma vírgula na sua estratégia e fez sempre questão de sublinhar o trabalho de toda uma equipa, e não só o de uma pessoa, na recém-adquirida liderança da SIC.
Na TVI, onde já começou a trabalhar, embora a grande entrada seja a 1 de setembro, Cristina já fez saber que quer poder total na sua área de gestão e vai tê-lo. Aliás, trabalha com uma equipa que conhece bem e gosta. Apenas Nuno Santos, novo diretor-geral, é um conhecimento recente e com o qual conta para desmontar a SIC. Ambos já lá estiveram. Cristina responde com trabalho e Daniel contrapõe com a mesma capacidade, montando “Casa Feliz” em 48 horas. O jogo adensa-se, o poder de ambos é quase igual – ela vence, porque vai ser acionista e integrar a administração – e as armas estão a ser polidas de ambos os lados. “A Cristina, apesar de estar a ser atacada pela SIC, não se deixa abater, está tranquila e serena a começar a sua nova estratégia”, garante fonte de Queluz. Já do outro lado “querem guerra. Estão profundamente feridos com a sua saída e como a forma como a fez”, sublinha outra fonte.
Nos Globos não pôde fazer tudo quanto queria
A guerra fria com Daniel esteve bem patente também na edição dos Globos de Ouro apresentada por Cristina Ferreira. Deixou-a escolher as roupas, ter o seu espaço como queria com a sua equipa, mas a dada altura Daniel disse “basta”. A cerimónia não podia fugir ao que sempre foi e queria mais sobriedade, assim como a homenagem a Bárbara Guimarães, que lutava contra um cancro.
Cristina suscitou todo o tipo de controvérsia, como é habitual, quer pela liturgia no vestido ou a coroa na cabeça, até pelo discurso, mas a noite foi dividida com Bárbara na sua chegada à cerimónia mais importante do canal. Mais, também não pôde reconhecer Cláudio Ramos como tinha planeado para essa noite. O destaque que queria dar ao “vizinho” foi posto de lado pelo diretor de Programas. Já o discurso de Cristina teve vários alvos, os que na TVI não lhe reconheceram mérito e os que na SIC não a deixavam ir mais longe. Nos corredores do Coliseu, houve quem achasse que tinha ido longe demais, mas o facto não a incomodou. Sempre foi uma espécie de “galinha dos ovos de ouro” da SIC e estava no topo.
Não queria concurso
Embora o tenha conduzido com empenho, a verdade é que a anfitriã das manhãs achava que não deveria entrar à tarde a concorrer com um produto que tinha a sua cara: “Apanha se Puderes”. O tempo fora deste horário devia ser maior, o que não foi entendido pela Direção de Programas, que quis tentar. As audiências de “Prémio de Sonho” não foram boas e não alavancaram o horário antes do noticiário. De acordo com Daniel Oliveira, o concurso era a cara de Cristina… Mas não passou da primeira temporada.
Ricardo Araújo Pereira causou incómodo
No momento em que soube que Ricardo Araújo Pereira iria mudar-se também para a SIC e com um salário mensal de 50 mil euros por mês para estar no ar apenas uma vez por semana, Cristina não gostou da verba atribuída. Ela ganhava 80 mil para fazer diretos todos os dias, coordenar o seu programa e estar disponível para vários tipos de solicitação do canal. Não lhe pareceu justo, mas Daniel não ficou incomodado com o seu estado de espírito, assumiu fonte. O clima entre os dois ficou ainda pior.
Negou horário nobre
Em março de 2020, começaram os rumores de que estaria a ser preparado um formato para a loira mais famosa do País apresentar em horário nobre. Daniel Oliveira assumiu que tinha planos para tal. “A nossa ideia é que ela, na rentrée, possa estar num programa de prime time, que está a ser estudado em conjunto”, afirmou. O mesmo não queria Cristina. Se, no passado, lutou para o conseguir, atualmente estava confortável nas manhãs, que já lhe ocupavam muito tempo e queria ter maior responsabilidade ao nível de escolha de conteúdos, não de apresentação.
A mensagem de que não queria fazer noites foi deixada nas suas redes sociais. “O que me norteia profissionalmente é a qualidade, a diferença e a forma como entendo fazer TV. Tenho tido a sorte de o público me dar a mão”, disse. “Durante anos, ou melhor, desde sempre, os programas da manhã foram encarados como o parente pobre dos conteúdos televisivos. Eu, que nunca desejei prime time, para mim não há públicos melhores nem mais importantes, há públicos, sinto uma vaidade que não quero castigar ao saber que o ‘Programa da Cristina’ foi o programa com o share mais alto do dia”, acrescentou, referindo-se às audiências que tinha entre mãos.
Disputa surda por um lugar
Desde que entrou no grupo Impresa que fez saber que não pretendia ficar apenas como apresentadora. Percebe muito de televisão e queria poder para fazer mais. Há quem diga até, na SIC, que ambicionava ser diretora de Programas a médio prazo e que a crescente ligação a Francisco Pedro Balsemão a podia ajudar a concretizar o seu objetivo. Mas tudo estava concertado no canal e Cristina nunca teve essa hipótese, até porque sempre dividiu os louros do sucesso com Daniel Oliveira, que continua firme no cargo.
Agora, em barricadas opostas, vamos assistir, possivelmente, à maior batalha televisiva de todos os tempos e só o passar deste dirá quem vence. Daniel já assumiu que, desde dia 17, passou a ser sua “concorrente direta”. Esta prefere mostrar-se a trabalhar com afinco.