Desesperada com o fim da sua relação amorosa, uma funcionária administrativa de 27 anos foi apanhada a injectar veneno no soro do próprio filho. No hospital, as dúvidas sobre a ineficácia das terapêuticas aplicadas ao menino tinham há dias saltado à vista da equipa médica que denunciou o caso à PJ. A mulher acabou por ser cassa em flagrante e detida por “fortes indícios da prática de vários crimes de ofensas à integridade física graves qualificadas sobre uma criança do sexo masculino, seu filho, de 7 anos de idade, o qual se encontrava internado em unidade hospitalar da cidade de Lisboa”, diz uma nota da PJ.
Síndrome de Münchhausen por procuração
Os indivíduos que provocam em si próprios, intencionalmente, sintomas físicos com o objectivo de receber assistência médica e atenção são designados estar sob a síndrome de Münchhausen. Uma variante desta síndrome é a MSBP (Munchausen Syndrome by Proxy). É quando a agressão é provocada em outrem de quem se cuida. Na esmagadora maioria dos casos, as autoras são mães das vítimas em quem provocam doenças, alimentando-as “com veneno para induzir dor abdominal”, ou “agravam ou infectam feridas existentes”. Invariavelmente, os sintomas não sucumbem às terapias. As mães fazem isso aos filhos para conseguirem atrair atenções sobre si. Muitas vezes, querem a atenção do marido ou do “ex”. Parece ser o caso da mulher apanhada esta semana.
O que é?
O termo “síndrome de Münchhausen por procuração” foi usado pela primeira vez pelo pediatra britânico Samuel Roy Meadow em 1977 para descrever a criança cuja mãe produz um histórico de doença sustentado em sinais e sintomas fabricados, ou mesmo pela alteração de testes laboratoriais. O apelido vem do barão de Münchhausen, conhecido por chamar a atenção sobre si para narrar factos imaginários e fantásticos. O “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais” (DSM-5) define esta síndrome como distúrbio factício imposto a si próprio e a síndrome de Münchhausen por procuração como um “distúrbio factício imposto a outro”.
12 anos de prisão
Na nota publicada pela PJ, lê-se que os actos da mulher de 27 anos, presa esta semana, terão sido praticados (pelo menos) entre meados de Abril e 25 de Junho. Com a colaboração das equipas do hospital onde o menino foi internado, a PJ obteve “evidente comprovação da conduta ilícita da detida”. Levada a um juiz, ficou presa, preventivamente. O pai da criança (separado da mãe) nunca desconfiou de nada. Os crimes de ofensas à integridade física graves, qualificadas e agravadas pelo facto de a autora ser a própria mãe, poderão levá-la a ter de cumprir até 12 anos de prisão.
Conscientes
A atitude de simular/produzir a doença não tem nenhum objectivo lógico, parecendo ser apenas uma necessidade compulsiva de assumir o papel de doente, ou de o provocar em outrem de quem se cuida. Um comportamento considerado compulsivo, mas voluntário, consciente, intencional e premeditado.
Diagnóstico difícil e sem tratamento
Ambas as síndromes de Münchhausen são pouco estudadas, conforme se lê num artigo publicado por uma equipa do Hospital de S. Paulo, Brasil, em 2017, liderada pelo professor Daniel Filho. “Até o momento, não existem tratamentos efectivos demonstrados por meio de estudos bem delineados, além de critério de diagnósticos bem estabelecidos para ambas as síndromes, o que pode explicar o pouco conhecido de estudantes e profissionais de saúde”. O que resulta em testes laboratoriais e procedimentos desnecessários, que podem prolongar hospitalizações e aumentar o custo do sistema de saúde. Condições que desafiam a medicina e a psicologia, apesar do avanço da tecnologia e do conhecimento sobre o corpo e a mente.
Texto publicado originalmente na edição n.º1381 da revista TvMais.