1 Uma tragédia é sempre um momento de teste para um país, sob os mais variados aspectos. Hoje interessa-me o foco da comunicação social. É por ela que sabemos da tragédia e uma tragédia deve ser notícia. Ela marca, esperemos, uma excepcionalidade dramática e como tal o jornalismo tem a obrigação de a fazer chegar à sociedade. Depois há a questão essencial, cada vez mais definidora dos caminhos de cada órgão de comunicação social: o como. Como se dá a notícia, em que moldes, com que imagens ou depoimentos e, muito importante quando há tantos canais de notícias de 24 horas, o tempo que se dispensa a uma tragédia. Como sabemos, em Borba foram horas e horas e dias e dias um acompanhamento à náusea. Após os primeiros embates óbvios e necessários, tratou-se, apenas, de esperar para ver sair das águas sujas e fatais os restos mortais das pobres vítimas. Houve coisas importantes, claro, como a pressão sobre responsáveis por respostas cabais a perguntas tão simples como esta: como foi possível manter aquela estrada aberta naquelas condições.
A partir de certa altura, pareceu-me mal uma omissão em quase todas as reportagens: o trabalho dos mergulhadores. Não foi suficientemente relevado, e muito menos louvado. Aquele grupo de mergulhadores que foi tentar resgatar cadáveres e carros em condições de enorme perigo para as suas próprias vidas deveria tere merecido uma atenção e elogio que não vi em sítio nenhum. E é pena, é já um lamentável tique de cobertura noticiosa a concentração exclusiva no que é trágico e a falta de visão para acompanhar devidamente os lados “positivos”, que neste caso seria falar sobre o duríssimo trabalho que fizeram os mergulhadores.
2 Não vou aqui voltar ao caso Sócrates, muito menos aos pormenores da complicada Operação Marquês, nem a nada desse processo em curso. Acontece que foi notícia, por estes dias, o facto de Sócrates viver agora (e mais uma vez) em casa emprestada por amigo ou primo que lhe é muito querido. Vi que Sócrates, na rua e sozinho, não enxotou os jornalistas que o abordaram, aceitou falar, responder à questão, mas apenas para nos fazer crer que a questão não tem importância ou relevância e que é intrusiva da sua vida pessoal. Ou seja, para mais uma vez se mostrar ofendido por se dar tanta importância ao facto de viver constantemente à custa do bem alheio, mesmo que seja de um amigo muito querido e chegado. Acontece que não, a pergunta não é irrelevante ou descabida. A pergunta é, aliás, a pergunta que importa fazer. E não foram os jornalistas que assim decidiram, Sócrates é que elevou a questão à sua importância actual. Queixar-se, mais uma vez de intromissão na sua vida pessoal é querer fazer-nos esquecer que enfrenta graves acusações que se apoiam, precisamente, nas casas “emprestadas” que esconderão negociatas ilícitas. Do que realmente se passou ou do que ficará provado, ou não, em tribunal, logo saberemos. E até pode acontecer, como defendem ainda hoje os seus apoiantes, que Sócrates esteja a ser vítima de uma enorme conspiração. Não sei, não faço apostas na sua culpa ou inocência. O que sei é que questioná-lo por mais um empréstimo de luxo não é uma pergunta descabida. Que o visado não goste da pergunta, isso já é outra história.
3 O que se passa em França ainda não permite conclusão. O movimento dos Coletes Amarelos pode tornar-se das forças mais relevantes dos últimos anos, e lembrar aos governos que o povo vai lutar pelos seus direitos, mesmo que, como a História o demonstrou tantas vezes, tenha de o fazer de forma musculada e violenta. Acontece que os actos de violência gratuita e o vandalismo absurdo poderão matar o movimento por dentro. Aguardemos.