Estou cada vez mais fascinado com o Facebook. Com a paciência que vejo de tanta gente, algo desocupadas, certamente, como as invejo, quem me dera a mim ter tanto tempo. Gente que se dá ao trabalho de comentar tudo e mais alguma coisa, mais isto e aquilo, apostando que de cada vez consegue ser mais sarcástica ou maldosa. Maldisposta, sobretudo. Alguns comentários que leio fazem-me imaginar, sem esforço, vidas pouco preenchidas, angústias e invejas. Adiante. Desta vez, alguém resolveu dar destaque a uma das minhas últimas crónicas. Na verdade, a um excerto. E isto faz toda a diferença. Uma revista costuma publicar excertos da semana, e escolheu um meu, de uma crónica aqui publicada, uma parte onde falo de crianças a fazer chichi na praia, e como pergunto se será isso tão diferente de deixar andar cães na praia. Quem primeiro publicou o meu excerto no Facebook fê-lo com intenção elogiosa, aplaudindo o que escrevi, realçando tratar-se de uma ironia habitual na minha escrita. Muitas pessoas concordaram, mas logo vieram alguns zurzir-me. Não tem problema nenhum, faz parte, escrevo para público vasto, haverá sempre alguém que não gosta, é óbvio, quem anda à chuva, molha-se. O problema não é esse. O que me faz aflição é a incapacidade de pensar duas vezes. O que foi publicado era um excerto. Repito: um excerto. Ou seja, uma parte, apenas, de algo maior.
O que significa que haveria mais texto, antes e depois. Haveria, pois, um contexto, preciso e justificado, que me levava a dar o exemplo das criancinhas e do seu chichi na areia. O contexto, para pessoas inteligentes, é tudo. Regra geral, muda substancialmente o sentido das coisas. Mas enfim… Daí que algumas críticas furiosas que recebo são porque estou a defender que se deve deixar os cães ir para a praia fazer chichi. Não, não foi nada disso que escrevi. Já o disse e repito: não temos o direito de importunar os outros com os nossos animais. E as leis são para se cumprir. O que eu perguntava, sem nunca defender que devemos ter os cães soltos a fazer as suas necessidades, era qual é a verdadeira diferença para as famílias que permitem isso às criancinhas, sobretudo quando (e esta é toda a diferença do contexto) as incentivam a isso, aplaudem e até riem. Esta é a diferença. Uma senhora muito indignada interpelava-me no Facebook: “ai, vai-me dizer que as suas crianças nunca fizeram um chichi na praia, queres lá ver, seu moralista”. Sim, fizeram, numa ou outra ocasião. Chama-se descuido. Ou porque eram muito pequeninas e nem deram por ela ou porque estavam muito aflitas e não deu para chegar a nenhum lado. Não lhes ralhei, mas certamente não aplaudi. Não as incentivei a fazer de novo. Expliquei que não o devemos fazer. Não fiz disso, em suma, um padrão de educação. E o que eu falava na crónica era precisamente dos que deixam as crianças fazer isso porque eles próprios certamente o farão. Daí a importância do contexto. Aquilo a que me referia, e para aqui os cães não são chamados, é às famílias inteiras que saem da praia deixando lá o chichi das suas crianças, mais garrafas de plástico e vidro, mais embalagens de gelados, mais caroços de fruta, mais beatas de cigarro, mais restos de sandes de frango. E isto, garanto-vos, nenhum cão consegue lá deixar.