1. Se dúvidas havia sobre o lamaçal de desnorte irracional e agressivo em que está há muito transformado o futebol português, a história da divulgação de dados pessoais dos árbitros na Internet acaba com tudo de uma vez. É apenas o culminar lógico de transformação de um emocionante e entusiasmante desporto numa guerrilha sem fim, que seria apenas lamentável se não fosse já tão perigosa. Sãs as claques, são os dirigentes que incendeiam as claques quando lhes dá jeito, são os cidadãos pacatos no dia-a-dia que se transfiguram durante o jogo da sua equipa, e são capazes de insultos e expressões que nunca lhes víramos. E são, desde há alguns anos, as dezenas de “comentadores” desportivos nas televisões e rádios, escolhidos por serem figuras públicas simpatizantes deste ou daquele clube, regra geral com profissões e postura social de elevado estatuto, que vemos de repente, diante dos nossos olhos espantados, transformados por uma fúria que os deixa normalmente cegos a tudo o que não seja da cor do seu clube. Ia dizer que era altura de parar para pensar, mas vou deixar-me de lirismos: isso nunca vai acontecer. E o futebol português continuará a caracterizar-se por uma inversão de valores muito simples: os adeptos gostam do seu clube, mas nada se compara ao ódio que têm pelo adversário. Aliás, adversário é palavra desadequada. A verdade é que é um terreno onde inimigos se agridem. Por isso, como dizia no início, não me espanta, infelizmente, este episódio. Que é o quê, afinal? Apenas a mais cobarde e vergonhosa tentativa de intimidação de cidadãos, que, para o caso, tiveram a infeliz ideia de querer ser árbitros. Receio bem que este gesto vai ficar sem culpado ou castigo, como é “normal”. Não só não haverá investigação digna desse nome como “estas coisas da Internet é muito difícil descobrir-se qualquer coisa”… E, entretanto, milhares de adeptos já terão tomado nota de moradas, telefones, patrimónios, escolas dos filhos, e o mais que por lá andava relativo aos árbitros. A divulgação e amplificação da coisa não tem outro propósito que não seja fazer os árbitros andar com medo, a olhar por cima do ombro, a espreitar por entre as persianas de casa a ver se descobrem alguém “à espera” do lado de fora da casa. Uma miséria. Receio que aquele caso nojento da cabeçada a um árbitro num centro comercial possa ter seguimento. E repito as perguntas, para a qual já sei a resposta: será que se vai descobrir os autores de tamanha selvajaria? E o que lhes acontecerá? Aposto consigo que a resposta é ‘Não’ para a primeira e ‘Nada’ para a segunda.
2 . Mais um período das famosas viagens de finalistas de liceu, mais uma morte a lamentar. Desta vez (pelo menos à hora a que escrevo isto…) foi um acidente, daqueles que, pelos vistos, pode acontecer em qualquer lado, com qualquer pessoa. E daí… lamento, mas não aceito bem toda a generalização que se pretende fazer com esta explicação. É certo que o rapaz não se tentou atirar para nenhuma piscina, como uma vítima de outros anos, ou não tentou passar de uma varanda para outra enfrentando o vazio, como outra vítima de outra ocasião, mas convém não esquecermos as imagens que nos entram em casa todos os anos pela televisão: multidões de miúdos completamente embriagados a vaguear pelas ruas, desmaios, vómitos, dias e noites sem dormir uma hora, até cair para o lado, a aproveitar estarem longe dos papás, a tentarem impressionar as miúdas com o “cabedal” com que aguentam o álcool (que afinal não aguentam), e elas pelo mesmo caminho de loucura pela loucura, uma mera explosão de hormonas destrambelhadas, a que muitos insistem em chamar “diversão”. Este último caso, vamos acreditar que se tratou de um infeliz e inesperado incidente. Mas o que me deixa todos os anos perplexo, ao ver as imagens dos nossos jovens sem freio nos dentes (e é assim em todo mundo, como é óbvio), é como sobrevivem tantos a este delírio colectivo de permanente equilíbrio no fio da navalha. E, por favor, caros colegas jornalistas, convém deixar de vez as constantes “interrogações” que deixamos no ar de cada vez que aparece um caso trágico destes: será que a “organização” tinha suficientes “monitores” com os miúdos? Não haverá por aqui “desleixo”, “negligência”, “falta de vigilância”? Poupem-me, por favor, à converseta de quem, notoriamente, ou nunca foi adolescente ou nunca contactou de perto com um.
Nota: por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico