Queres vencer esta competição? Podemos fazer um acordo… Let’s make a deal, I love a good deal.” São, segundo o que consta do processo que deu entrada no Tribunal Cível de Lisboa e ao qual a TvMais teve acesso, palavras de Ljubomir Stanisic para Cândida Baptista, durante a primeira temporada de “Hell’s Kitchen”, transmitida pela SIC entre março e junho de 2021. Na ação que interpôs contra o chef, acusando-o, entre outras coisas, de assédio sexual e moral, a ex-concorrente dá a entender que o anfitrião do programa, no dia 27 de janeiro de 2021, aquando da preparação para uma das provas eliminatórias, lhe terá proposto conceder-lhe a vitória a troco de favores sexuais, pelo menos, terá sido assim que Cândida o interpretou. “A conotação para o pretendido ‘deal’ ou negócio foi percecionado pela ora autora [Cândida] no sentido que tal entendimento estava necessariamente associado a um favor sexual, tendo ficado perplexa, indignada e bastante constrangida com tal proposta”, lê-se na petição em que a ex-concorrente brasileira e residente na Áustria pede uma indemnização de 40 mil euros – 25 mil euros por danos patrimoniais e 15 mil euros por danos não patrimoniais. Segundo o processo, “contrariamente ao que seria expectável, a participação no programa em apreço não se revelou uma experiência agradável ou minimamente enriquecedora mas, sim, um verdadeiro pesadelo”. Cândida diz ter sido alvo de “constantes insinuações, comentários e piadas com cariz sexual” por parte de Ljubomir Stanisic “com a conivência” da Shine Iberia, a produtora de “Hell’s Kitchen” que, a par do chef sérvio, também é ré neste processo. O advogado da ex-concorrente atesta que “tais comentários, considerados ofensivos da honra e da consideração” de Cândida, “deixaram-na profundamente humilhada, diminuída, angustiada, ansiosa e insegura”.
Provocações à primeira vista
A ex-concorrente, que também é chef e modelo, revela que se sentiu incomodada logo no primeiro contacto que teve com aquele que viria a ser o seu “patrão” durante o tempo em que estivesse no programa. Segundo consta no processo, assim que conheceu Cândida, Ljubo “começou a tecer comentários relativamente à sua indumentária”, tendo-lhe, alegadamente perguntado, “em tom jocoso” se “não teria frio”, dizendo também que “não deveria estar com pouca roupa”. Lê-se na ação que os comentários sobre as vestes da ex-concorrente eram, ao que tudo indica, uma constante. “Cândida, você veste-se como se fosse sempre verão! Nós gostamos”, terá dito Ljubomir num dos dias de gravações. A ex-concorrente conta também que houve uma prova física num clube de boxe em que teve de usar uma T-shirt justa e branca e que o chef terá feito observações impróprias sobre o seu corpo. “Durante a sessão de alongamentos”, Ljubomir, “ao reparar na transparência da T-shirt” de Cândida, “e perante todos os presentes, exclamou por duas vezes: Aqui podem ver mamas perfeitas”. Indignada, a ex-concorrente “replicou que tal observação não tinha qualquer piada” e que o chef, “num tom agressivo e apontando para a área genital daquela, exclamou: Quando fores velha ninguém te vai querer”. O representante legal de Cândida ressalva que “tais afirmações foram proferidas na presença dos restantes concorrentes do programa, bem como na de colaboradores e responsáveis da 1a ré [Shine Iberia] que, saliente-se, nada disseram ou fizeram, limitando-se a assistir passivamente à humilhação” da ex-participante. Na ação, é reforçada a alegada passividade da produtora do programa perante as supostas atitudes erráticas de Ljubomir Stanisic. “Ao invés de porem cobro a todos estes evidentes e graves comportamentos de assédio moral e sexual perpetuados pelo réu, nada fizeram, assistindo como meros espectadores a todo este deplorável flagelo.” Terá sido também na presença de elementos da produtora que Ljubomir, alegadamente, fez outras insinuações que podem ser interpretadas com conotação sexual, entre elas, ter perguntado a Cândida se “não gostava de leite”, tê-la questionado sobre “o que é que ela achava dos rapazes” e ter referido “insistentemente que esta já devia estar a sentir falta de sexo”. A ex-concorrente garante que o chef também foi, por várias vezes, agressivo e numa delas, a 10 de janeiro de 2021, dirigiu-se a ela “aos gritos” afirmando que “era uma bitch [calão inglês para cabra], que não tinha medo dela e que não a respeitava”.
Crises de ansiedade, tristeza e insónias
De acordo com a ação, o pesadelo de Cândida não terminou quando as gravações chegaram ao fim. Mais: terá sido incentivada a manter o silêncio em relação às supostas insinuações e comentários de Ljubomir. “Após o término das gravações do programa e, no seguimento de uma reunião com os responsáveis sobre o que estava autorizada a falar em entrevistas, uma vez que tencionava denunciar toda a situação, foi confrontada com a seguinte afirmação: Fazer uma denúncia não vai dar em nada… ele é famoso, as pessoas adoram-no. Quem é a Cândida?”, pode ler-se. A ex-concorrente revela que ao longo das gravações “sentiu dificuldades em dormir e descansar em virtude do estado de angústia e ansiedade em que já se encontrava”. Sempre que se deslocava para o local das gravações, possíveis cenários inquietavam o seu pensamento: “Será que hoje vai gritar comigo? Será que hoje vou ser novamente insultada e desrespeitada? Será que hoje vou ser alvo de piadas? Será que hoje vai fazer comentários sobre a minha roupa?” Ou seja, Cândida vivia em permanente tensão, o que acabou, segundo consta, por se refletir negativamente na sua saúde mental, na sua vida pessoal, social e profissional. “Era uma pessoa alegre, divertida, comunicativa e confiante e viu-se transformada numa pessoa triste, de choro fácil, nervosa e insegura.” Com a sua passagem pelo programa da SIC passou a sofrer de “insónias, crises de ansiedade e tristeza, tendo recorrido a sessões de psicoterapia semanais para tratar e amenizar tal sintomatologia para publicamente conseguir aparentar uma normalidade de postura social”. A ex-concorrente também afirma que ficou impossibilitada de desempenhar a sua profissão no nosso país, pois era confrontada “com insinuações sobre uma relação” com Ljubomir Stanisic e “foi sendo sujeita a uma suspeição constante que havia perdido o concurso por um mal sucedido envolvimento íntimo” com o chef sérvio e por isso desistiu de tentar a sua sorte em Portugal, tendo regressado à Áustria, onde residia com a sua família. A ex-concorrente afirma que “os comportamentos destrutivos” de Ljubo a impediram “de vencer” ou, pelo menos, de “almejar a possibilidade de vitória” e que também “ficou arredada da possibilidade de convites pagos para marcar presença em festas, eventos, espetáculos ou sessões fotográficas, gerando perdas no mínimo de 5 mil euros”. Na ação movida por Cândida consta também que “a emissão de uma segunda temporada” de Hell’s Kitchen, no início de 2022, fez com que esta voltasse “a reviver todas as humilhações que sofreu”.
Chef nega todas as acusações
Ljubomir contestou a ação movida por Cândida e afirma que nunca lhe dirigiu comentários, insinuações ou piadas de cariz sexual. O chef diz até que a dada altura era a ex-concorrente quem tinha “uma postura de confronto e provocação claramente assumida” e uma “clara e manifesta intenção” de o “provocar”. Ljubo, que até é embaixador da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), diz que nunca teve, nem para com Cândida “nem para qualquer outra participante, atitudes desrespeitosas, persecutórias e ofensivas”. O chef rejeita a acusação de que terá feito uma proposta sexual à ex-concorrente e afirma que ela é que “atribuía com muita frequência uma conotação sexual a tudo o que lhe era dito”. Garantindo tratarem-se apenas de “falsidades e contradições” de Cândida, Ljubomir considera que esta ação que a brasileira lhe interpôs “não passa de uma tentativa” de Cândida “se locupletar [enriquecer], indevidamente, à sua custa”. Já a produtora afasta-se das alegadas atitudes menos próprias do chef afirmando que o mesmo “não tem qualquer dever jurídico/contratual perante a Shine” e sim para com a SIC. Além disso, “analisando cada um dos comportamentos descritos e a eventual participação nos mesmos”, verifica-se que não só “não participou em nenhum deles” como tão-pouco chegaram “ao seu conhecimento os episódios relatados” por Cândida Baptista.