Os dados estão lançados e aguarda-se com expectativa o frente a frente de Cristina Ferreira e Daniel Oliveira no tribunal. Já estão expostos os factos principais que serão argumentados e contra-argumentados no julgamento que opõe a SIC à apresentadora de 43 anos e em que lhe é exigido que pague uma indemnização superior de 20 milhões de euros pela quebra do contrato de forma unilateral. Na réplica (nome dado à resposta à última petição de Cristina Ferreira, em que pede à sua antiga entidade patronal que lhe pague mais de 222 mil euros), a estação de Paço de Arcos rebate todos os argumentos, nomeadamente no que diz respeito às funções para as quais foi contratada, à confissão pública de que teria de pagar uma indemnização à SIC, à exposição íntima em “O Programa da Cristina”, à relação com Daniel Oliveira e ainda ao estado em que a SIC ficou após a sua saída abrupta para a TVI.
Troca de e-mails secretos
17 de julho de 2018. Curiosamente dois anos exatos antes de bater com a porta à estação do grupo Impresa, trocam-se as primeiras impressões entre a agente de Cristina Ferreira e Daniel Oliveira sobre a eventual contratação da apresentadora. Num e-mail enviado ao diretor de Programas da SIC, ao qual a TvMais teve acesso, Inês Mendes da Silva apresenta as condições iniciais de Cristina Ferreira para aquela que seria “a maior operação de transferência televisiva dos últimos tempos”. Na proposta global, Cristina propõe-se a ficar a cargo do “horário das manhãs da SIC, conduzidas em exclusivo” por ela, “sendo que nomearia uma substituta dentro das caras da estação para as suas ausências”. No seu programa, “a equipa, os conteúdos, a realização, pesquisa e produção” seriam da escolha de Cristina Ferreira, que “gostaria de ter a Warner para cérebro e gestão de recursos, sendo que as decisões sobre conteúdos seriam suas”.
A TvMais sabe que apresentadora queria muito que fosse essa a produtora responsável pelo seu programa na SIC pois era com quem tinha trabalhado no concurso da TVI “Apanha se Puderes” e tinha adorado a parceria. No entanto, esse sonho acabou por não se concretizar e foi a Coral quem acabou por produzir “O Programa da Cristina”. Nesta primeira abordagem, a agente de Cristina Ferreira deixa claras as intenções da apresentadora no que toca às funções que poderia vir a desempenhar. “Cargo de direção nos seus conteúdos/formatos e apoio à direção (consultora para a Direção de Programas, Antena e Digital da SIC).” No fundo, “pretende ter um papel ativo nos seus programas e terá toda a disponibilidade em estar ao lado da direção da SIC como consultora”. Quer isto dizer que, de acordo com o que a SIC alega no processo que interpôs à comunicadora, nem na sua proposta inicial foi falado, por nenhuma das partes, que teria funções ao nível da direção estratégica do canal. A estação do grupo Impresa reitera que Cristina “assumiu funções de colaboração, podendo ser consultada”, e que “cabia ao diretor-geral de Entretenimento da Impresa e diretor de Programas da SIC, Daniel Oliveira, o exercício das funções executivas da direção, não estando normalmente vinculado ao parecer, opiniões ou considerações que Cristina Ferreira, e bem assim, qualquer outro consultor executivo, apresentasse”. Tendo como prova o que consta neste e-mail de 17 de julho de 2018 trocado entre o diretor de Programas e a agente da apresentadora, a SIC afirma que Cristina Ferreira foi falsa e mentiu. “Assim, além da falsidade da argumentação aduzida pela ré, não poderá deixar de se considerar que esta litiga em manifesta má-fé ao ter omitido e adulterado os factos por si invocados.”
115 mil euros por mês e os Globos de Ouro
Como é do conhecimento público, Cristina entrou na SIC com um salário base de quase 1 milhão de euros e que, como a TvMais já especificou noutro momento, a sua estada em Paço de Arcos garantir-lhe-ia um encaixe de 7 milhões de euros durante os cinco anos do seu contrato. Só que a estrela televisiva queria mais. Na primeira proposta apresentada pela sua agente à estação, Cristina queria receber, só de base, cerca 1,5 milhões de euros anuais, aos quais acresciam 5 mil euros por cada gala/programa que viesse a apresentar além do formato das manhãs. Em concreto, o valor proposto seria de “115 mil euros mais IVA de vencimento mensal”. Além disso, “por cada microespaço dentro das manhãs acordar-se-ia um valor base de 750 euros + IVA (valor unitário)”. Para sustentar este pedido, Inês Mendes da Silva alega que Cristina “tem clientes fiéis que investem muito no canal onde a Cristina estiver. Essa força comercial representa uma fatia significativa daquilo que representa o seu custo”. Para a sua transferência para a estação do grupo Impresa, Cristina Ferreira fazia uma exigência da qual não abria mão: ser a anfitriã da maior cerimónia de entrega de prémios do País, os Óscares de Portugal. “Condução da Gala dos Globos de Ouro de 2019 para uma entrada em grande na SIC”, pode ler-se no e-mail. A SIC acabou por não aceitar os valores iniciais de Cristina Ferreira, pelo que a mesma apresentou uma nova proposta baixando significativamente o seu preço, dos 115 mil euros mais IVA para 90 mil euros mais IVA. A negociação, tal como já demos conta, acabou por ficar nos 80 mil euros mensais mais IVA.
Confissão pública
Na sua resposta ao pedido inicial da SIC, Cristina Ferreira alega que “tinha ideia que alguma indemnização haveria ter de ser arbitrada no contexto do contrato”. Ora, a SIC não tem dúvidas que esse argumento “é falso”, apresentando como prova, várias vezes, a entrevista que a apresentadora concedeu ao “Jornal das 8” da TVI, no dia 13 de setembro de 2019, e em que afirma taxativamente: “Há lugar a uma indemnização que estava estipulada no meu contrato e a qual eu sei que vou ter de pagar. E não há aqui qualquer alternativa. Estava lá. Está escrito, eu pago. Do resto, trataremos em tribunal, se for o caso”. O que Cristina Ferreira provavelmente não imaginava é que teria de se defender perante a justiça de um pedido superior a 20 milhões de euros. A SIC afirma que a apresentadora não pode mudar a sua postura devido ao valor em causa. “Não podem as rés pretender agora adulterar o sentido da sua vinculação porque a aplicação da cláusula em apreço conduz a um montante indemnizatório muito superior àquele que estariam disponíveis para suportar”, lê-se na réplica.
A relação com o patrão
A apresentadora afirmou ter problemas de comunicação com Daniel Oliveira devido ao facto de não haver qualquer tipo de relação entre ambos. A SIC rebate esse argumento. “Não é verdade que o diretor-geral Daniel Oliveira não mantinha relação com a ré e não a consultava.” O canal refere ainda que o relacionamento sempre “foi pautado pela cordialidade, pelo profissionalismo, respeito e colaboração mútuas, não sendo as afirmações da ré compatíveis com a conduta pública e privada”. A SIC anexa ao processo uma publicação que a apresentadora partilhou nas suas redes sociais no dia 13 de março de 2020, elogiando o trabalho de Daniel Oliveira, que apelida de “comandante”, e onde tece rasgados elogios à família Balsemão, o que dá a entender que havia um bom relacionamento entre todas as partes. A SIC também contesta o argumento de Cristina Ferreira quando diz que nos almoços que teve com Francisco Pedro Balsemão, queixando-se da falta de comunicação com Daniel Oliveira, o CEO do grupo Impresa lhe havia garantido que ia mudar essa situação. “Não é verdade que Francisco Pedro Pinto Balsemão tenha assegurado que iria ‘mudar essa situação’ porque nunca houve qualquer situação que carecesse de mudança, dado que os compromissos assumidos pelas partes se encontravam a ser, como sempre, pontualmente cumpridos.”
Casa “de pantanas” com a saída de Cristina
Em sua defesa, a apresentadora explica que teve o cuidado de fechar a porta à estação de Paço de Arcos a uma sexta-feira, para que o canal tivesse o fim de semana para preparar o programa que iria para o ar na segunda-feira seguinte. Explicou também que deixou todo um cenário e formato montados e que a estação só precisaria de escolher novo apresentador e mudar o nome do programa para ter o que apresentar aos espectadores todas as manhãs doravante. A estação ficou incrédula com tais afirmações da apresentadora. “Só por grosseira incúria ou má-fé podem as rés pretender convencer que a sua saída não teve qualquer impacto no programa que foi para o ar 48 horas depois da cessação unilateral e abrupta do contrato.” A estação afirma que perdeu não só a estrela de um formato criado à sua imagem e semelhança, como também uma vasta equipa que a acompanhava, de onde se destacam o realizador João Patrício e o produtor André Manso. Aliás, Cristina fez questão de comunicar publicamente que os seus dois homens de confiança se mudavam com ela da SIC para a TVI no dia 17 de julho de 2020. Nomes como Iara Rodrigues, Joana Barrios ou Inês Franco, num total de 17 colaboradores, também deixaram de integrar a equipa do programa das manhãs da estação de Paço de Arcos.
Este processo, que envolve a mais mediática das figuras televisivas, segue agora para a fase de saneamento em que o juiz vai decidir qual é o objeto do litígio e aquilo que vai pretender ouvir de ambas as partes no julgamento. Teria até ao próximo dia 15 de fevereiro para o fazer, mas como os prazos dos casos não urgentes estão suspensos devido à pandemia, tudo leva a crer que poderá demorar mais tempo. Apesar de não ser obrigatório, deverá depois marcar uma audiência prévia em que ficarão definidas todas as testemunhas, sendo que a SIC pediu para acrescentar mais uma ao seu rol: Daniel Cruzeiro, diretor-executivo da estação.