Nascido na Guiné Equatorial, Ângelo Torres foi para Espanha aos 6 anos. Mais tarde, mudou-se para Cuba, onde estudou engenharia. O talento para representar despertou em Portugal, no Bairro Alto, onde foi desafiado a entrar numa produção “por ser preto” depois de sete anos em terras de Fidel Castro. O teatro falou mais alto e o curso superior ficou para trás, para desgosto inicial da família, que agora segue com admiração o seu papel na TVI, na pele de Norberto, em “A Única Mulher”. Casado com uma galega, o ator, de 46 anos, é apaixonado pela filha, Mar, de 12, que “tapa os olhos nas cenas mais íntimas” que surgem no pequeno ecrã, mas que gosta de Norberto e “ainda mais da Mara, com quem até tem parecenças”.
O Ângelo nem sempre foi ator…
Quando regressei de Cuba, onde estudei engenharia, vim para o Politécnico em Lisboa e percebi que não era aquilo que eu queria. A minha fé em fazer algo diferente daquilo que estudara estava dentro de mim e a representação surge por atropelo.
Como acontece essa mudança?
Nos anos 80, frequentava um bar chamado Estádio, que fica no Bairro Alto. Aquele espaço reunia muitos atores, pois o Conservatório era perto. Gostava muito de ir lá.
Foi nesse bar que teve a noção de que queria ser ator?
Numa noite, estava a beber uma cerveja, quando aparece o João Grosso e diz a um amigo comum que estava à procura de atores pretos para um série na RTP, “O Café do Ambriz”. Quando o João se ia embora, perguntei se podia ir. Ele, a brincar, disse ‘tu não és preto?’, ao qual respondi que até àquele dia de manhã era. Ele disse-me para experimentar e eu lá fui.
No início de carreira sentiu preconceito por ser convidado pela cor da pele?
Nada disso. Eu sou um ator que é preto e não o contrário, portanto isso pode ser limitativo ou não. Há personagens que eu nunca poderei fazer, como D. Afonso Henriques.
Que sentimento tinha quando o convidavam por causa da cor?
Lido bem com isso. No teatro isso nunca aconteceu, pois é uma área mais abrangente e experimental. Em televisão, aconteceu porque realmente era de um preto que precisavam, mas também já representei sem que a cor da pele fosse condição fundamental.
Veio para Portugal com uma licenciatura. Como era visto
na família?
Quando cheguei de Cuba, com 21 anos, licenciado era o mais-que-tudo da família. Levavam-me para almoços, jantares. No espaço de oito meses, desisto de tudo e abraço a representação. Vou para algo indefinido chamado teatro. De muito bom rapaz passei a vadio e malandro. Ser ator de teatro era muito malvisto pela família.
Mas a televisão e o cinema mudaram um pouco essa visão?
Posso dizer que quando aparecia na TV, como em “Pensão Estrela”, tive uma pequena moratória e lá diziam que o filho da Celestina [mãe] estava na televisão.
Nasceu na Guiné Equatorial, mas saiu de lá muito cedo…
Saí aos 6 anos e fui para Espanha.
Os seus pais são guineenses?
Não, são de São Tomé e Príncipe.
Tem irmãos?
Tenho 24 irmãos e apenas três são do mesmo pai e mãe. Paternos são 22.
Conhece todos os irmãos?
Sim e até nos reunimos algumas vezes.
Algum dos irmãos também seguiu a área da representação?
Não. Eu sou a única “ovelha negra” da família. Há engenheiros, médicos…
Porque é que foi para Espanha?
Por questões políticas. Cresci e estudei lá e depois mandaram-me para Cuba. Havia um acordo de cooperação entre São Tomé e a ilha. O meu pai “empacotou-me” e mandou-me para lá, e fez muito bem. Sou fidelista e rebelde! Estudei Engenharia Mecânica, especializado em ar condicionado.
Foi com a sua avó que aprendeu o gosto por contar histórias?
Muito provavelmente bebi de tudo o que fui ouvindo dela. Era a melhor de todas!
Viveu grande parte da vida em regimes não democráticos. Foi difícil?
Isso não passa apenas de um ponto de vista, mas realmente nunca tinha pensado nisso. Até aos 21 anos vivi sempre em regimes ditos ditatoriais.
O Ângelo é uma pessoa muito aberta e muito bem-disposta,
o que contrasta com o clima que se conhece de muitos desses regimes…
Acho que é mesmo por ter vivido nesses regimes. Habituei-me a sonhar. São Tomé obriga-te a fazê-lo, pois olhava para aquele horizonte e só podia ter aquele sentimento, aquele sonho.
Como é que a sua mulher e a sua filha têm visto o Norberto?
Muito bem. A minha filha gosta muito da Mara, mas tapa os olhos nas cenas mais íntimas do pai.
As pessoas abordam-no na rua?
Estou sempre de gorro e de óculos e as pessoas raramente me reconhecem. O Norberto é podre de rico e eu sou pobre.
A sua personagem é um vilão, mas será que lhe vamos ver um lado mais ternurento?
O Norberto não é vilão! Ele é apenas intransigente e severo. No futuro, e por aquilo que li, ele vai revelar uma postura mais carinhosa e de ternura.
A Mara é a grande paixão dele na trama?
É uma das paixões. Por acaso, houve um dia em que Ana Sofia Martins fez uma cena tão, mas tão bem, que acabei por soltar uma lágrima. A cena foi tão forte e eu, no papel de pai, senti que a Mara estava a ser tão injusta, que sem querer deixei-me levar. Esta é a grande paixão de um pai por uma filha.